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... com sons e imagens... mas também silêncios, se fará esta conversa ... sempre ao sabor das palavras ...
Visitei há pouco a igreja de Santa Clara em Évora, de que conhecia apenas descrições escritas. Sabia que o convento fora fundado no século XV, mas que a igreja era do século XVI, que apresentava o pormenor curioso de ter dois portais paralelos e maciços contrafortes encimados por pináculos em pinha. Sabia também que o convento encerrara em 1903, quando a última freira morrera e que, depois, fora usado como quartel ou qualquer serviço afim e como escola.
Nunca lá entrara. Sempre vira a igreja fechada. Lera também algumas descrições de visitantes oitocentistas que falavam do seu magnífico recheio artístico.
Foi, portanto, com todo o entusiasmo e expectativa que me dispus a visitá-la, sabendo que reabrira ao público, mesmo que num horário muito restrito.
Mas foi uma desilusão!
Não pelo monumento em si que, apesar dos muitos sinais de degradação, ainda revela um interior muito rico: nave única, de planta rectangular, abóbada de meio canhão. As paredes encontram-se revestidas, até à cornija, por silhares de azulejos polícromos seiscentistas, de diversos padrões.
Nas abóbadas da igreja e do coro baixo, bem como nas paredes laterais, acima da cornija e na luneta sobre o arco de triunfo, adivinham-se pinturas murais e telas, emolduradas em talha dourada.
Como se vê, o expositor não permite ver toda a abóbada
O altar-mor tem retábulo barroco de talha dourada e um frontal de altar verdadeiramente precioso de damasco branco bordado a ouro.
Créditos desta foto: Turismo de Évora
Altares colaterais com pórticos maneiristas, em mármore, e retábulos de talha dourada.
Contudo, só a capela-mor e os altares colaterais não tem a visibilidade condicionada.
Todo o resto da igreja só se pode ver de soslaio, em corredores estreitos, porque alguém se lembrou de colocar a meio da nave um verdadeiro "caixote" para exposições!!! Com chão, parede e tecto, o visitante é obrigado a penetrar naquela caixa gigante e de cujo interior nada vê da igreja! Lá estão pendurados vários cartazes, creio que alusivos à perseguição dos cristãos no mundo. Fiquei de tal modo irritada que não li nem uma linha dos cartazes, claro. Será que alguém, que vai para ver a igreja, tem vontade de se enfiar naquele "caixote" e ler cartazes?
A mesma parede
A cores - o que fica à vista entre os azulejos e os expositores que ocupam agora o centro da nave; a preto e branco - o que se via há alguns anos do centro da nave
Mas, oh senhores!, não havia, em Évora, outro sítio onde fazer a exposição?
Tinha que ser na nave da igreja, impedindo que se usufrua do pouco que ela ainda tem para mostrar?
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(Créditos da foto a preto e branco: Legado Robert Chester Smith, Fundação Calouste Gulbenkian)
Há muito que desejava conhecer São Luís do Maranhão, cujo centro histórico foi classificado pela UNESCO, em 1997, como Património Cultural da Humanidade. As imagens a que tive acesso revelavam uma bonita cidade, cujas edificações, revestidas de azulejos, trepavam pelas ladeiras tão portuguesas.
De facto, na época da candidatura, o Centro Histórico da cidade localizada na ilha de São Luís do Maranhão, na baía de São Marcos, era um excepcional exemplo de cidade colonial portuguesa adaptada às condições climáticas da América do Sul equatorial.
Segundo relatos de pessoas que visitaram São Luís, em 1997, a cidade era um mimo, com os palácios, as igrejas e as casas restauradas e pintadas e as ruas limpas.
Era essa a imagem que levava nos olhos quando, na semana passada, vinte anos depois da classificação da UNESCO, cheguei a São Luís do Maranhão. A isso se somava a presença tutelar do Padre António Vieira que ali viveu e onde pregou o célebre Sermão de Santo António aos Peixes.
Foto retirada da página do IPHAN
Apesar de D. João III ter dividido a região do Maranhão em duas capitanias hereditárias, que entregou a Aires da Cunha e Fernando Álvares de Andrade, no ano de 1535, a presença portuguesa não se tornou efectiva e, assim, em 1612, os Franceses invadiram a região e ali construíram um forte – forte de São Luís, na confluência dos rios Bacanga e Anil. Foi esse forte que se tornou o núcleo original da cidade.
Porém, em 1615, os Portugueses, comandados por Jerónimo Albuquerque, expulsaram-nos após a batalha de Guaxenduba. O forte, rebaptizado com o nome de forte de São Filipe, foi reconstruído segundo desenhos do engenheiro militar português, Francisco Frias de Mesquita, que desenhou, igualmente, o plano urbanístico da cidade, plano esse de base geométrica regular (antecedendo em mais de um século o traçado regular da Baixa pombalina) e em contraste absoluto não só com a tradição urbanística portuguesa metropolitana, de ruas estreitas e sinuosas, mas também com os planos urbanísticos portugueses do Rio de Janeiro, de Recife e de Olinda.
Em 1641, a cidade foi ocupada pelos holandeses que foram expulsos, três anos depois, pelos portugueses. Mas, foi apenas, a partir de 1750, com as reformas pombalinas, que São Luís se desenvolveu.
O desenvolvimento económico refletiu-se no urbanismo. A partir do último quartel do século XVIII, as casas até então construídas com materiais precários (taipas, palha) foram, progressivamente, substituídas por casas construídas em alvenaria, cuja argamassa era ligada com cal de sarnambi e óleo de peixe.
No dossier de candidatura de São Luís a Património Mundial o IPHAN escreveu:
«As mais belas moradias têm sua estrutura (pilares, enquadramento das portas e janelas) em calcário (lioz) importado de Portugal. Toda essa arquitetura tem inspiração portuguesa: forma das cornijas, utilização das telhas, telhados com telhas canal, balcões.
Contudo, essa arquitetura portuguesa foi objeto de sutil releitura para permitir sua adaptação aos rigores do clima equatorial, e é aí que reside a originalidade de São Luís. Em uma região onde a menor brisa é bem-vinda, tudo parece ter sido concebido para assegurar a ventilação das casas: o pé-direito sempre alto, atingindo algumas vezes cinco metros; os telhados em ”espinha de peixe“ que deixam o ar circular; as cancelas, grades que substituem as portas e, sobretudo, as varandas e os mirantes.
As varandas no fundo das casas, em madeira, frequentemente profundas (são verdadeiras peças em vez de corredores) com cerca de três metros, equipadas com um tipo de persianas vazadas, com painéis móveis de madeira (avarandadas de rótula), que permitem regular a luz e a aeração.
Os mirantes, provavelmente herança das sentinelas medievais, são peças quadradas abertas de todos os lados no topo dos telhados. Criam uma corrente de ar no centro da casa, e são eles próprios peças muito agradáveis.
Para lutar contra o grande inimigo que é a umidade equatorial, que ataca sem trégua os revestimentos externos das paredes, os moradores de São Luís tiveram a ideia, pois tudo leva a crer que foram eles os primeiros a ornar com azulejos a fachada de suas casas. O azulejo, este belo quadrado em faiança pintado, reservado até então à decoração interna, se revelou um admirável isolante térmico e um eficaz protetor contra a umidade.
Imagem tirada da net
O exemplo foi rapidamente copiado pelos moradores das cidades do Porto e de Lisboa, mas foi em São Luís e na capital vizinha da Amazônia, Belém do Para, que essa utilização dos azulejos é a mais lógica. As residências edificadas em lotes estreitos e longos têm frequentemente uma planta em L, com um corpo principal na fachada e um corredor-cozinha ladeando um pátio interno. É sobre esse corredor, que nos sobrados se encontra a varanda.»
Na segunda metade do século XIX era já perceptível uma certa decadência económica da cidade, mas, aparentemente, ela permanecia igual e até próspera: São Luís foi a primeira cidade do Norte do Brasil a dispor de bondes (inicialmente de tração animal), de iluminação pública a gás (1863,) de uma companhia de águas (1871, e de uma companhia telefónica (1890).
No último quartel do século XIX, uma tentativa de industrialização traduziu-se na criação de uma dezena de fábricas de têxteis. Contudo, a abolição da escravatura, em 1888, revelou-se um rude golpe numa economia de base esclavagista.
No próximo post falarei de como é, hoje, São Luís do Maranhão.
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